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[BOLSOLÃO] Na Barra, comandada por Biu de Lira, com pouco mais de 8 mil habitantes registrou-se quase 100 mil atendimentos na Saúde

O presidente da Câmara dos Deputados e aliado de Jair Bolsonaro (PL), Arthur Lira (PP-AL), destinou R$ 1,7 milhão de emendas secretas para a prefeitura comandada pelo pai, Benedito de Lira (PP-AL), apenas neste ano. O envio do recurso para Barra de São Miguel, em Alagoas, aconteceu através do esquema conhecido como orçamento secreto, ou “Bolsolão”.

E mais, a Agência Pública apurou com exclusividade que esse dinheiro, destinado por Lira para o Fundo Municipal de Saúde, foi liberado junto a uma explosão de registros de atendimentos nas unidades de saúde do município a partir de 2021, com recorde neste ano.

Só nos primeiros oito meses de 2022, Barra de São Miguel registrou cerca de 12 atendimentos para cada habitante. É como se cada morador da cidade já tivesse sido atendido mais de uma vez por mês. Isso equivale a três vezes a média da capital Maceió no mesmo período, de 3,8 atendimentos por habitante.

Barra de São Miguel é um município famoso por suas praias cristalinas, localizada a 28,9 quilômetros (meia hora de carro) de Maceió. Por lá moram pouco mais de 8,4 mil pessoas, de acordo com as estimativas do IBGE. A cidade conta com três postos de saúde e uma policlínica. Segundo os dados da Prefeitura, 38 médicos passaram pela folha de pagamento neste ano.

Apesar da população pequena, a prefeitura registrou quase 100 mil consultas, atendimentos ou acompanhamentos apenas de janeiro a agosto deste ano. Os dados foram inseridos no sistema do DataSUS, do Ministério da Saúde, e justificaram um gasto de quase meio milhão de reais no período. Esse gasto veio do mesmo fundo que foi abastecido com dinheiro das emendas do orçamento secreto.

Bruno Fonseca/Agência Pública

Para se ter uma ideia, em todo o ano passado, Barra de São Miguel havia registrado 65 mil atendimentos a um valor total de R$ 259 mil — metade do montante autorizado em oito meses deste ano, de R$ 533 mil. A explosão de registros em pleno ano eleitoral, coincide com o envio polpudo de dinheiro de Arthur Lira para o Fundo Municipal de Saúde da cidade, que ocorreu através do orçamento secreto.

Cidade de pouco mais de 8 mil habitantes registrou quase 100 mil atendimentos em saúde nos oito primeiros meses de 2022. Foto: Beto Macário/Agência Pública

Para desvendar esse segredo, a reportagem cruzou os dados das emendas indicadas com os valores que já foram empenhados e pagos neste ano. Descobrimos que o deputado fez duas indicações de emendas em saúde para Barra de São Miguel — exatamente nos mesmos valores que foram liberados neste ano para o município, através do Ministério da Saúde. Os pedidos foram direcionados para atenção primária e demandas de média e alta complexidade.

Os números chamaram a atenção da presidente do Conselho Municipal de Saúde de Barra de São Miguel, Jackeline Gomes Correia. Após ser informada pela Pública sobre o boom de registros de consultas neste ano, ela disse que irá encaminhar um ofício solicitando informações à prefeitura. Jackeline levantou algumas hipóteses que poderiam justificar o aumento, como por exemplo, a informatização do sistema de registros – segundo ela, antes, muitas informações se perdiam – e a reabertura da policlínica da cidade, que ficou fechada nos anos de 2018 e 2019. “Mas o aumento é muito expressivo, é algo a se investigar”, destacou.

Procurada, a secretária Municipal de Saúde, Laryssa Mota, disse que não poderia passar informações porque assumiu o posto em agosto. Ao ser questionada sobre seu antecessor no cargo, ela disse desconhecer quem era. Entramos em contato com o ex-secretário, Arachele Loureiro, mas não obtivemos retorno. A prefeitura e o prefeito Benedito de Lira também não retornaram às tentativas de contato por e-mail e WhatsApp, respectivamente. As perguntas enviadas para a assessoria de imprensa de Arthur Lira também não foram respondidas.

Foto: Bruno Fonseca/Agência Pública

O caso de Barra de São Miguel se assemelha aos das prefeituras de Maranhão, revelado pela Revista Piauí. O jornalista Breno Pires mostrou que prefeituras maranhenses registraram atendimentos médicos desproporcionais aos habitantes e com valor das consultas muito superior à média nacional. Ele descobriu que essas consultas não eram realizadas e que o número teria sido inflado para receber mais recursos das emendas do orçamento secreto.

A história ganhou repercussão e atenção da Polícia Federal, que deflagrou a Operação Quebra Ossos. Segundo a PF, “as investigações apontaram que o município de Igarapé Grande/MA teria informado, em 2020, a realização de mais de 12,7 mil radiografias de dedo, quando a sua população total não supera os 11,5 mil habitantes, fato que culminou na elevação do teto para o repasse de recursos que financiam ações e serviços de saúde no ano subsequente (2021)”.

Cidade registrou recorde em dispensa de medicamentos

“Vim aqui por causa de uma dor que estou sentindo. Passou raio-x e amoxicilina. Mas, o posto não tinha, tive que pagar. Mais esse custo quando tudo está tão caro, pesa no bolso”, diz Luciana Albuquerque do Nascimento, 38 anos. Ela, que é dona de casa, foi ao pronto-atendimento de Barra de São Miguel com fortes dores na bacia. Medicada, a plantonista receitou a amoxicilina, que o posto não tinha.

A falta do medicamento de Luciana contrasta com um dado da Prefeitura: a administração de medicamentos na atenção especializada é justamente um dos atendimentos que mais cresceu nos registros do município: foi de 21,7 mil em 2021, para 32,5 mil nos oito primeiros meses de 2022. O aumento na quantidade também refletiu num maior custo: de R$ 13,6 mi em 2021, para R$ 20,5 mil em 2022.

Luciana Nascimento relata que o medicamento que precisava não estava disponível no posto; cidade registrou aumento recorde em administração de medicamentos neste ano. Foto: Beto Macário/Agência Pública

A reportagem conversou com outros profissionais de saúde, que afirmaram que a carência de medicamentos é um problema sazonal. Maria Andreza dos Santos, enfermeira do pronto-atendimento, disse que a falta de medicamentos ou insumos ocorre geralmente quando está em falta em todo o estado. Por outro lado, ela reclamou de problemas de estrutura nas unidades de saúde. “A estrutura física está bem comprometida e precisa passar por uma reforma”, conta.

Outro ponto questionado pelos profissionais de saúde foi o pagamento dos agentes comunitários. “Sem pagamento do piso salarial de Agente Comunitário não dá”, desabafa a presidenta do Conselho Municipal de Saúde, Jackeline Gomes Correia, que está entregando seu cargo devido à demanda salarial. Ela trabalha há 17 anos em Barra de São Miguel e é gerente de um dos três postos de saúde do município.

Recorde de consultas

Os atendimentos de saúde em Barra de São Miguel são uma verdadeira montanha-russa de números e valores. Somente nos oito primeiros meses de 2022, o município registrou mais consultas que em todos os três anos anteriores juntos. A quantidade de consultas em 2022 é um recorde histórico: é o maior em 15 anos. Em 2018 e 2019, por exemplo, não passaram de 12 mil por ano (período sem pandemia).

A explosão na quantidade de registros de atendimentos coincide com a chegada do pai de Arthur Lira à prefeitura. No seu primeiro ano como prefeito, em 2021, o número informado de consultas mais que triplicou. Este crescimento também elevou o valor que o município informa ter gasto com esses atendimentos — pré-requisito para que a prefeitura receba mais dinheiro das emendas.

Barra de São Miguel é um dos 37 municípios alagoanos que teriam recebido emendas pedidas por Arthur Lira neste ano, segundo o cruzamento feito pela reportagem. Ao todo, o político solicitou emendas para 40 prefeituras no estado.

Segundo levantamento da Pública, Arthur Lira foi o segundo político que indicou mais dinheiro em emendas secretas neste ano eleitoral. Foto: Elaine Menke/Câmara do Deputados

Lira é um dos políticos mais beneficiados pelo Bolsolão em ano eleitoral

O deputado federal Arthur Lira é um dos políticos que mais tem se beneficiado das emendas do chamado Bolsolão no Brasil. Segundo a Pública apurou, ele foi o segundo político que indicou mais dinheiro em emendas secretas neste ano eleitoral — mais de R$ 134 milhões. Lira fica atrás apenas de Wellington Antonio Fagundes, senador em Mato Grosso pelo PL de Bolsonaro, que indicou R$ 150 milhões neste ano.

Além de ser um dos políticos que mais indicou emendas secretas em 2022, o presidente da Câmara é um dos mais agraciados pelo Governo Bolsonaro com a liberação desses recursos. A Pública cruzou os dados de indicações e empenhos que apontam que Lira pode já ter conseguido empenhar R$ 122 milhões neste ano — mais de 91% do total que o deputado pediu.

A liberação de emendas parlamentares o ajudou a se reeleger deputado federal com o maior número de votos no Estado. Barra de São Miguel, por exemplo, foi o quarto município que mais rendeu votos ao deputado, proporcionalmente. Ele teve praticamente um voto a cada três habitantes.

 

*Colaborou Beto Macário

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